“A ESCALA DE TREINO”
sua influência na
Biomecânica do Cavalo de Desporto
CURSO DE MESTRE DE EQUITAÇÃO
=TESE=
(Resumo de apresentação)
Março/Outubro 2007
CMEFD - Mafra
Luís Lupi
ÍNDICE
Introdução ...............................................................................................................................
I Parte – A Escala de Treino....................................................................................................
1.- A Escala de Treino do Cavaleiro.............................................................................
2.- A Escala de Treino do Cavalo ................................................................................
- Origem ...........................................................................................................
- A Escala Propriamente Dita ..........................................................................
¬ I.- Ritmo ...............................................................................................
¬ II.- Souplesse .......................................................................................
¬ III.- Contacto .......................................................................................
¬ - (Contraponto) ....................................................................................
¬ IV.- Impulsão .......................................................................................
¬ V.- Rectitude .......................................................................................
¬ VI.- Concentração ................................................................................
¬ - Capacidade de Resposta às Ajudas ...................................................
¬ - (Contraponto) ....................................................................................
¬ - Novas Propostas I e II .......................................................................
II Parte – Biomecânica do Cavalo de Desporto ......................................................................
- Considerações Gerais ................................................................................................
- Escala de Treino, Biomecânica e Ginástica ...............................................................
- Biomecânica e Rédeas Auxiliares .............................................................................
- A Escala de Treino e as Características do Trote ......................................................
- A Escala de Treino e as Transições ...........................................................................
- Biomecânica e Diagnóstico Precoce do Potencial dos Cavalos ................................
- A Escala de Treino e a Locomoção ...........................................................................
- Características dos Andamentos de Cavalos de Nível Avançado ..................
III Parte – Em jeito de conclusão..........................................................................................
- Higiene e Maneio ...................................................................................................... ...
- O Panorama Nacional ...............................................................................................
- Ética ......................................................................................................................................
Post Scriptum
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Tendo nascido numa época, numa família e num ambiente em que o cavalo fazia parte do quotidiano, o ‘montar a cavalo’ surgiu na minha vida como o andar a pé, como o falar, como o sorrir, … naturalmente!
Esta relação natural e empírica, com o que vim, mais tarde, a saber chamar-se ‘Equitação’, evoluiu na minha vida em várias vertentes, desde a Tauromaquia, os Raids, as Corridas de Galope, a Equitação de Trabalho e de Picadeiro, a Atrelagem, a Criação, a Caça e o Lazer, até às três Disciplinas Olímpicas. E como praticante, treinador e seleccionador, juiz, etc. E por esta ordem ou por outra ordem qualquer.
Este contacto alargado, baralhado e algo desordenado com o mundo equestre deu-me a conhecer, por um lado, um vasto leque de utilizações do cavalo, dos seus utilizadores e dos seus ambientes, enfim, da ‘fileira’ do cavalo. No entanto e por outro lado, retardou em mim a procura de um conhecimento organizado e mais científico e tecnicista da Equitação.
Retardou mas não anulou. Com o passar do tempo e com o esbranquiçar do já pouco cabelo, tenho-me aproximado de um patamar mais elevado da Equitação, em que comecei a juntar as peças que usei, de uma maneira dispersa e desordenada, durante a minha vida à volta dos cavalos. As coisas complicadas foram perdendo razão de ser e os métodos simples vão revelando toda a sua importância e dimensão.
Mas foi a criação da actual Escola Nacional de Equitação (ENE) e o meu envolvimento com ela na carreira de Formador, que me ‘obrigaram’ definitivamente a tentar clarificar algumas questões. Questões simples! Como, por exemplo, um conceito para ‘Equitação’; ou o inesgotável ‘Calmo, P’ra Diante e Direito’; ou os actuais princípios da ‘Colocação em Sela’; ou as ‘Características do Cavalo Bem Trabalhado’; ou a ‘Ligeireza’, o ‘Equilíbrio’, etc., etc.
De repente recebo um convite para frequentar um estágio para Mestre de Equitação. O Máximo! O chegar ao topo! A oportunidade para a realização de um sonho! E como o Programa Oficial de Formação de Formadores de Equitação (POFFE) preconiza a elaboração da uma Tese, sobre um tema que tem que ser proposto e aceite, cá estamos nós! Com um tema simples! Foi proposto… e foi aceite!
A ‘ESCALA DE TREINO’!! Porquê? Porque ela me tem dado, e cada vez mais, os caminhos para o trabalho dos meus cavalos e para a orientação dos meus alunos. Porque só seguindo-a criteriosamente e interiorizando a sua filosofia é que um cavaleiro (com uma correcta colocação em sela e com a sua própria ‘escala de treino’ bem consolidada) pode chegar a ter um cavalo ‘Calmo, P’ra Diante e Direito’.
Assim, proponho o seguinte esquema para marcar os princípios e as incontornáveis fases evolutivas da Equitação em geral, numa perspectiva actual:
Cavaleiro “Influente” ESCALA DE TREINO Ritmo Souplesse Contacto Impulsão Rectitude Concentração Cavalo: Calmo P’ra Diante Direito
Não quero ainda entrar realmente no nosso tema sem antes fazer alguns reparos ao que é fundamental. A pedra de toque: a COLOCAÇÃO
Sem querer repetir o que se repete todos os dias, o que se lê em cada livro, o que já devia estar esgotado mas que tem que continuar a repetir-se até à exaustão, no volteio com ou sem sela, na posição clássica ou de estribos curtos, na posição em suspensão ou sentado, etc., faço questão de realçar três aspectos que algumas vezes são esquecidos mas que são fundamentais para a desejada ‘quietude’ do cavaleiro:
- Os ‘cotovelos’ juntos às costelas a permitirem que …
- … a ‘linha das rédeas’ comece nos cotovelos e vá a direito até à embocadura e…
- … a ‘posição e a atitude das mãos’ à frente e uma de cada lado do garrote, firmes e resistentes às resistências e suaves e ligeiras à cedência.
A ideia sempre presente da ‘ligação ao movimento’ como característica e consequência de uma boa ‘colocação em sela’ deve estar ligada à ideia de ‘quietude’. A ligação destas ideias deve ter uma forma consistente nas directrizes dos professores e na mente dos praticantes.
Na realidade, se a flexibilidade, o equilíbrio, a solidez e o à vontade do cavaleiro não forem ligados a uma ideia de ‘quietude’ (‘still’), pode haver uma grande eficácia técnica mas fica a faltar a estética, a beleza, a arte. E, sem estas, a Equitação fica incompleta porque é disso que se trata: Técnica e Arte.
A Escala propriamente dita
A Escala que se apresenta traduz assim o método de treino para cavalos de Dressage desenvolvido na Alemanha e cada vez mais aceite e defendido pela FEI como ‘o guia’ para treinadores, cavaleiros e juízes tanto dos cavalos novos como dos mais avançados. É geralmente apresentada em esquema da seguinte forma:
Ritmo Souplesse Contacto Impulsão Rectitude Concentração Capacidade de respostas às ajudas Fase de Compreensão e Confiança Desenvolvimento da Força Propulsora Desenvolvimento da Força de Sustentação
A ideia não é, logicamente, contestar o método inteligente e aturadamente desenvolvido, criteriosamente testado, profundamente discutido e consistentemente aceite. No entanto, porque se trata de um trabalho que pretende chegar também a outras modalidades equestres e a outras Raças de cavalos, para além das centro-europeias, nomeadamente as Barrocas, pontualmente ousaremos sugerir algumas alternativas.
Sendo aceite como indiscutível que ‘a Dressage é a base de toda a Equitação’, há, no entanto, conceitos que são mais importantes numas disciplinas do que noutras.
Mas analisemos, ponto por ponto, conceito por conceito, cada uma das fases da Escala aqui apresentada.
Posto isto e porque creio que a Equitação Académica, os seus princípios e os seus conceitos são algo que vai continuar a evoluir, ou a transformar-se, ou a adaptar-se, ouso apresentar duas propostas alternativas ao esquema da ‘Escala’ que apresentámos atrás, como eventuais candidatas a serem a ‘ESCALA DE TREINO’ num futuro mais ou menos próximo ou longínquo:
PROPOSTA I
Equilíbrio
+
Capacidade de
Resposta às Ajudas
Neste curioso diagrama proposto por Elmar Pollmann-Schweckhorst no seu interessante livro ‘Training the Modern Show Jumper’ pode imaginar-se uma segunda dimensão: todos os seis conceitos da Escala interagem igualmente em vez da ordem hierárquica da apresentação clássica.
Aqui a ordem dos conceitos é vista de baixo para cima, em sentido
ascendente, sendo a ‘Souplesse’ o ponto de partida. Tudo gira em torno do ‘Equilíbrio’ e da ‘Capacidade de Resposta às Ajudas’
PROPOSTA II
Nesta segunda proposta, os três Princípios do Ensino de Base do cavalo evoluem para os três estados da Equitação Superior através do desenvolvimento da Confiança, da Compreensão, da Força Propulsora e do Poder de Sustentação. As últimas fases da Escala, assentes no desenvolvimento do ‘Equilíbrio’ e da ‘Capacidade de Resposta às Ajudas’, avançam em sentido ascendente e são incontornáveis nesta evolução.
Não pretendendo ter esgotado este assunto, espero ter, no mínimo, levantado a ‘ponta do véu’ com uma interpretação própria da Escala de Treino que, sem fugir à sua filosofia geral, deixe no ar algumas questões que nos façam, mais reflectidamente, continuar a ensinar e a aprender sempre mais e melhor.
Entremos de seguida na influência que estes conceitos podem ter na
Biomecânica do Cavalo de Desporto.
O Panorama Nacional
A filosofia geral da Escala de Treino é declarada e assumidamente ‘impulsionista’. Por outro lado, a nossa tradição equestre é baseada na utilização do nosso cavalo - o Lusitano - especialmente apto para uma equitação barroca, mais recolhida. Parece, à primeira vista, que tivemos azar. Mas não: Os princípios e os conceitos da Escala dão-nos a oportunidade de transformar esse aparente azar num factor positivo.
Na realidade, se os cavaleiros portugueses que fazem competição e sobretudo os que se dedicam à Equitação de Escola ou de Picadeiro, ou até à Tauromaquia, interiorizarem estes princípios e conceitos e os aplicarem convictamente no dia a dia, o nosso cavalo ganhará uma nova dimensão, por um lado e, por outro, ganhará finalmente critérios objectivos de selecção.
O próprio senhor Cristoph Hess, num seminário que fez, dirigido a criadores de cavalos Lusitanos, em Lisboa no passado mês de Dezembro, apresentou a sua opinião sobre este nosso cavalo e, entre muitas outras interessantíssimas coisas, afirmou:
“…tem (o cavalo Lusitano) como pontos fortes a inteligência, a força e o potencial para a concentração. Como pontos fracos, o dorso curto que limita a actividade dos posteriores. Assim, afirmava, deve dar-se especial atenção à Escala de Treino e segui-la fielmente, aos seus princípios e à sua filosofia.”
Estou certo de que os criadores, os cavaleiros e as instituições como a nossa
Senão vejamos:
-Será fruto do acaso o estrondoso sucesso desse grande ‘Meneur’, Félix Marie Brasseur, campeão do mundo por duas vezes com cavalos Lusitanos, numa disciplina tão adversa para estes cavalos como é a Atrelagem? É claro que não pode ser fruto do acaso, nem da sorte e quem achar que sim, desengane-se. Quem teve oportunidade de trabalhar com ele e com ele partilhar e discutir as suas ideias e os seus métodos, sabe que aquele sucesso se deve a uma evolução lógica e académica do treino dos seus cavalos que não é mais que o rigor na aplicação da Escala de Treino devidamente adaptada aos objectivos da modalidade.
Temos a Filosofia, temos a Técnica, temos o Cavalo, temos o Exemplo! Estamos à espera de quê?
Post Scriptum
Durante a preparação da defesa deste trabalho e durante a própria defesa, reparei que ficou a faltar uma verdadeira ‘Conclusão’ adaptada à realidade portuguesa e à cultura equestre ‘à portuguesa’.
De facto, ao ‘contrapor’ determinados pormenores da Escala de Treino com o único fito de fazer uma chamada de atenção, não a incorrecções, mas a conceitos que, pela sua importância, merecem uma maior tomada de consciência, arrisco aquilo que menos quero e que é a desacreditação, ‘à portuguesa’, do Método.
Na realidade, a ideia patente neste trabalho de que «a Escala de Treino é um método bem definido, para a maioria dos cavaleiros treinarem a maioria dos cavalos» corre o risco de que cada cavaleiro, ao lê-lo, ache que, nem ele nem o seu cavalo pertencem à ‘maioria’ e, por isso, adapte ou use a Escala, transformando-a no seu próprio método.
Não!!! Proponho que não se vá por aí! Estou certo de que se nos considerarmos todos pertencentes à citada ‘maioria’ (em termos ‘equestres’, bem entendido) assim como aos nossos cavalos, os resultados e as prestações que tivermos serão muito mais consistentes e será com base nesta humildade de atitude e disciplina, que se poderão revelar, mais tarde, os cavaleiros e os cavalos de verdadeira excepção.
(Viena, 08 de Novembro de 2007)